Recentemente, em um evento que participei, surgiu uma discussão sobre a possibilidade de aplicação de processos de auditoria pós desembaraço aduaneiro, e este tema gerou um questionamento comum por parte dos participantes, com isto vamos tentar exemplificar alguns pontos necessários para a aplicação desta modalidade. Antes da implementação de um programa de auditoria pós desembaraço aduaneiro, a Administração Aduaneira deverá percorrer por um caminho, o qual já foi iniciado no Brasil, atendendo assim alguns requisitos prévios a este, como por exemplo o de determinar um programa estruturado, voltado para a análise e gestão de riscos, o compromisso com a mudança e diálogo entre o setor público-privado e por fim, buscar um compromisso de integridade de ambas partes, de forma breve estes três requisitos serão tratados neste artigo.
Análise e gestão de riscos
A gestão de riscos é uma metodologia internacionalmente reconhecida, recomendada inclusive pela Organização Mundial das Aduanas (OMA) e de caráter fundamental para um processo de tomada de decisão dentro de um programa moderno de processamento comercial, procedimento este que inclui a possibilidade de verificação dos processos pós desembaraço aduaneiro. Além de identificar as atividades que podem causar prejuízo ao processo, esta metodologia é utilizada para mitigar riscos e encorajar o cumprimento voluntário das regras aduaneiras. Desta maneira, com a implementação deste tipo de programa, a Administração Aduaneira altera seu enfoque unilateral de detecção e penalização aos atos relacionados ao não cumprimento da legislação e se volta para um enfoque baseado em responsabilidade compartilhada, promovendo as relações, a transparência, a responsabilidade e cumprimento da legislação.
Também antes da implementação deste programa de auditoria pós desembaraço aduaneiro ou ainda, se podemos dizer, de simplificação aduaneira, a Administração Aduaneira deverá estabelecer critérios para uma correta gestão de riscos e seleção de mercadorias. Aqui cabe registrar que a seleção de mercadorias, quando baseada em riscos, substitui a inspeção integral das mercadorias, por controles seletivos baseados em indicadores específicos de riscos, como por exemplo uma seleção aleatória. Esta seleção baseada em riscos permitirá um desembaraço aduaneiro mais rápido e fará com que a Inspeção Aduaneira dedique menos recursos aos processos considerados como de baixo risco e mais recursos para os processos considerados como de alto risco.
Desta maneira, quando selecionado um processo para uma auditoria pós desembaraço aduaneiro, a Administração Aduaneira deverá inicialmente tratar o processo como este fosse selecionado em canal verde, sendo esta mercadoria liberada sem nenhuma intervenção e posteriormente, os profissionais da Administração Aduaneira efetuariam uma verificação da documentação – de forma eletrônica ou impressa – para depois determinar a necessidade de uma inspeção adicional, permitindo assim que sejam realizadas, se necessário, correções de informações como valores declarados, classificação tarifária ou descrições, seguros, recolhimentos de taxas e outras informações comerciais aplicáveis, evitando assim a parametrização em amarelo ou vermelho durante o processo de desembaraço aduaneiro.
Compromisso com a mudança e dialogo público-privado
Para a realização de auditorias pós desembaraço aduaneiro também é exigido a adoção de novas tecnologias e processos, incluindo a mudança de atitudes, métodos e a relação entre as entidades público e privada. A mudança requer o apoio das estruturas superiores da Administração Aduaneira, disposição para a realização de mudança em todos os níveis desta e uma clara e ampla divulgação. Este compromisso e mudança deverá ser estendido a outras entidades intervenientes a estes processos de fiscalização de fronteira, na importação e exportação, e em toda comunidade empresarial, visto que uma priorização e integração entre todas as partes, possibilitará um processo mais satisfatório e com alta probabilidade de êxito.
O estabelecimento ou melhoria no diálogo entre os setores público-privado também é considerado fator crítico para o sucesso deste programa de simplificação aduaneira. Dentro deste cenário, as partes deverão considerar a mudança no relacionamento, de possível enfrentamento para um processo de cooperação mútua.
Compromisso com a integridade
A corrupção é um fator preocupante e, se não combatida, poderá comprometer a eficiência deste programa.
Para que se tenha êxito, a Administração Aduaneira, os demais Órgãos Intervenientes e a Comunidade Empresarial deverão realizar suas funções e atividades de forma ética. A integridade deve ser destacada entre todos e em todo o processo de implementação e manutenção deste programa.
Também aproveitamos este tema e oportunidade para destacar a Declaração de Arusha (Declaração do Conselho de Cooperação Aduaneira em matéria de Integridade Aduaneira), de 1993, como principal ferramenta para a OMA criar, a partir de 2003, diversos instrumentos para promover o combate à corrupção e implementar conceitos de Integridade nas Instituições Públicas, tais como Guia de Desenvolvimento da Integridade, o Compêndio das melhores práticas de integridade e o código modelo de ética e conduta, fornecendo assim elementos essenciais à formação da base prática para o desenvolvimento e a implementação de estratégias anticorrupção e integridade.
Em conclusão, o esperado pela Comunidade Empresarial é que a Administração Aduaneira e outras entidades intervenientes cumpram com os objetivos de eficiência e eficácia nos processos de desembaraço aduaneiro, com a aplicação de normas e regulamentos transparentes e coerentes, mantendo e, se possível ampliando o comércio, e reduzindo as ameaças para garantir a segurança das cadeias logísticas internacionais. A gestão de riscos e as auditorias posteriores ao desembaraço aduaneiro são meios já comprovados internacionalmente para equilíbrio da necessidade de proteção de fronteira, cumprimento aduaneiro e rápido despacho dos processos de importação ou exportação. Porém não podemos esquecer que, todo este processo acima descrito exige uma mudança de mentalidade e um compromisso de todos com a integridade.
Artigo escrito por Daniel Gobbi Costa (dgobbi@allcompliance.com.br)
Graduado em Administração de Empresas e habilitação em Comércio Exterior, com especialização nas áreas de Logística, Qualidade, Recursos Humanos e Gerenciamento de Projetos. Atua desde 2007 em atividades de Auditoria / Consultoria nas áreas Logística e de Comércio Exterior participando de projetos de implementação e manutenção de controles internos (Linha Azul e Operador Econômico Autorizado – OEA), e Sócio/Responsável nas empresas Alliance Consultoria e Treinamento Empresarial (www.allcompliance.com.br) e Innova Consultoria Empresarial e Qualificação Executiva (www.innova-bpc.com.br).